10 de junho de 2011



MEU AVÔ COSTUMAVA DIZER QUE TUDO ESTÁ  INTERLIGADO 
entre si, e que nada escapa da trama da vida.

Ele costumava me levar para uma abertura da floresta, deitava-se  sob o céu, apontava para os pássaros em pleno vôo e nos dizia que eles escreviam uma mensagem para nós. “Nenhum pássaro voa em vão. Eles trazem sempre uma mensagem do lugar onde todos nos encontraremos”, dizia ele num tom de simplicidade, a simplicidade dos sábios.

Outras vezes nos punha em contato com as estrelas e nos contava a origem delas, suas histórias. Fazia isso apontando para elas como um maestro que comanda uma orquestra. Seu olhar estava sempre direcionado para o infinito, como se contemplasse a infinitude inquieta do universo que tinha diante de si.

Em dias inspirados, o velho avô nos lembrava algo sobre o tempo: se o momento atual não fosse bom, não se chamaria presente. Lembrava-nos com isso que o único tempo que temos é o agora, e que devemos encará-lo como um presente da divindade.

Viver o hoje, usufruí-lo sem pressa, sem desejo de dominá-lo e sem querer congelá-lo com a doentia mania ocidental de tudo planejar, desejo insano de dominar o futuro. E para quê? Para acumular e distrair-se da real necessidade de vivermos a vida como um presente do Criador.
Em outros dias, nos ensinava que, para sermos felizes, é preciso lembrar sempre duas verdades:

1. Nunca se preocupar com coisas pequenas;
2. todas as coisas são pequenas.

Não se preocupar com nada, vô? — alguém do grupo perguntava. O velho apenas sorria, compreendendo nossa dificuldade. Não foi isso que eu disse, meus netos. Eu disse que é preciso que se dê, a cada coisa, sua importância devida. Nossos problemas não devem ser maiores do que cada um de nós.

Confesso que não entendia direito o que ele queria nos dizer, mas o acompanhava a todos os lugares só para ouvir a poesia presente em sua maneira simples de nos falar da vida.

Numa certa ocasião, ele disse que cada coisa criada está em sintonia com o criador, e que cada ser da natureza, inclusive o homem, precisa compreender
 que seu lugar na natureza não é ser o senhor, mas um parceiro, alguém que tem a missão de manter o mundo equilibrado, em perfeita harmonia para que o mundo nunca despenque de seu lugar.

“Enquanto houver um único pajé sacudindo seu maracá, haverá sempre a certeza de que o mundo estará a salvo da destruição”. Assim nos falava nosso velho avô, como se fôssemos — eu e meus irmãos, primos e amigos — capazes de entender a força de suas palavras. Só bem mais tarde, homem adulto, conhecedor de muitas outras culturas, pude começar a compreender a enormidade daquele conhecimento saído da boca de um velho que nunca tinha sequer visitado a cidade, ao longo de seus mais de 80 anos.

Percebi, então, que meu avô era um homem com uma visão muito ampla da realidade, e que nós éramos privilegiados por termos convivido com ele.
Estas   lembranças   sempre  me   vêm  à  mente   quando penso na diversida de,   na diferença  étnica ,  social  e  na   hoje chamada sustentabilidade, uma nova idéia para necessidade antiga de o homem ocupar seu lugar no universo.
Penso nisso e me deparo com a compreensão de mundo dos povos tradicionais:

Tudo está em harmonia com tudo; tudo está em tudo;

É   uma   concepção que  não  exclui nada e não dá toda a importância a um único elemento, pois todos são passageiros de uma mesma realidade; são, portanto iguais. No entanto, não se pode pensar que essa igualdade signifique uniformidade. Todos esses elementos são diferentes entre si, têm uma personalidade própria, uma identidade própria.

Com minhas leituras e viagens, fui compreendendo, aos poucos, aquilo que o meu avô dizia sobre a sabedoria que existe em cada um e todos os seres do planeta.

Descobri que não precisa ser xamã ou pajé para chacoalhar o  maracá: basta colocar-se na atitude harmônica com o Todo, como se  estivéssemos seguindo o fluxo do rio, que não tem pressa... Mas sabe onde quer chegar.

Foi assim que descobri os sábios orientais;
os monges cristãos;
as freiras de Madre Teresa;
os muçulmanos;
os evangélicos sérios;
os pajés da Sibéria, dos Estados Unidos;
os Ainu do Japão;
os Pigmeus;
os educadores e mestres...
Descobri que todas essas pessoas,
em qualquer parte do mundo,
praticando suas ações
em busca do equilíbrio do universo
estão batendo seu maracá.
Entendi, então, a lógica da teia.

cada um é responsável por essa harmonia.

Entendi que cada um dos elementos vivos segura uma ponta do fio da vida, e o que fere, machuca a Terra, machuca também a todos nós, os filhos da Terra.
Foi aí que entendi que a diversidade
dos povos,
das etnias,
das raças,
dos pensamentos,
é imprescindível para colorir a Teia,
do mesmo modo que é preciso sol e água para dar forma ao arco-íris.
Extraído de: A vida que a gente quer depende do que a gente faz; Propostas de sustentabilidade para o planeta. Da série Leituras do Brasil. 

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